A vida de crianças carentes é reinventada no Movimento Pró-Criança

“A arte existe porque a vida não basta”, foi o que disse o poeta Ferreira Gullar em passagem pela Festa Literária Internacional de Paraty, em 2010. Sabendo bem do que diz, Gullar traduz, em uma frase, a essência de trabalhos e projetos desenvolvidos por todo o Brasil. Alguns brasileiros descobriram a graça de viver em atividades artísticas e é pensando desse jeito que o Movimento Pró-Criança foi criado, mantido e desenvolvido no Recife. As crianças deste espaço serão as beneficiadas com a campanha #desafiodobrinquedo, que o Blog João Alberto coloca no ar a partir de hoje.

Crédito: Teresa Maia/DP/D.A Press

Turma de balé do Pró-Criança do Recife Antigo – Crédito: Teresa Maia/DP/D.A Press

A instituição social funciona em três unidades – Recife Antigo, Coelhos e Piedade-, atendendo crianças e adolescentes de toda a Região Metropolitana. Nada de criança fora da escola, por lá, só aquelas devidamente matriculadas. A ideia é ajudar, criar responsabilidade social e, sobretudo, incentivar o conhecimento através da arte. Entre as atividades propostas: balé clássico, dança popular, aula de violino, violoncelo, percussão, contrabaixo e coral, a criança pode escolher uma delas e praticá-la no contraturno da escola.

Apesar de ser aberta a crianças de todas as classes sociais, a instituição costuma atender, em maior número, aquelas cujas famílias sobrevivem com cerca de um salário mínimo, ou mesmo as que a condição social é ainda mais baixa, a exemplo de um grupo recém-chegado da Comunidade do Pilar. O Pró-Criança vai ainda mais fundo na necessidade de algumas delas. Além de atendê-las, assiste, também, às mães, que podem participar de oficinas e programação ligada à costura, o que ajuda ainda mais no desenvolvimento familiar: mãe e filho passam a dividir mais momentos e experiências juntos.

Crédito: Teresa Maia/DP/D.A Press

Crédito: Teresa Maia/DP/D.A Press

Na manhã da última quinta-feira (18),  a equipe do blog visitou a unidade do Recife Antigo, que atende pouco mais de 90 crianças entre 5 e 12 anos. A psicóloga Carol Batista foi quem nos guiou pela visita. Energia é o que não falta. As atividades começam às 8h, quando chegam professores, alunos, funcionários e voluntários do local. Na mente de cada um, o mesmo objetivo: fazer o melhor dia que for possível. Estampar um sorriso no rosto de uma criança que sofre maustratos e convive com a violência não é das tarefas mais fáceis, mas, com todos na mesma corrente positiva, as dificuldades vão sendo superadas aos poucos.

“As mães gostam porque eles não estão na rua, não estão em situação de risco, estão aqui, tendo um novo aprendizado e um olhar de cuidado dos profissionais que se encontram na instituição”, afirma Carol. Sensibilidade talvez seja a palavra que melhor define o trabalho desenvolvido pelo Pró-Criança. Saber que existem pessoas que estão unidas para ajudar outras pessoas é revigorante, é como reforçar a esperança na humanidade. “Dois irmãos gêmeos, Ednília e Ednaldo, iniciaram muito cedo no Pró-Criança, ainda bem novos, tinham uma história de vida bem difícil, morte dos pais muito cedo. Conversando com um deles, ele me disse que o referencial de vida que ele tinha era a arte, que foi o que a instituição proporcionou a ele. Hoje em dia, eles estão com 20 anos, todos os dois estruturados, trabalhando”, lembra a psicóloga.

Esteffany Machado, de 12 anos - Crédito: Teresa Maia/DP/D.A Press

Esteffany Machado, de 12 anos – Crédito: Teresa Maia/DP/D.A Press

Ao conhecer algumas das meninas da turma de balé, uma das histórias chamou a atenção. Esteffany Machado tem 12 anos, mora no bairro de San Martín, Zona Oeste do Recife, e quer ser veterinária. Até aí, tudo normal. O que surpreendeu, na verdade, foi a história da mãe dela, dona Eunice, que resolveu ser voluntária do espaço quando conheceu o trabalho desenvolvido por lá. Ela ajuda na cozinha e, recentemente, foi aprovada no vestibular da Universidade Federal de Pernambuco. Vai se formar em Pedagogia.

Em meio às batidas fortes da aula de percussão, duas figurinhas se destacam. Matheus e Fábio, de 10 e 11 anos, respectivamente, são moradores da Comunidade do Pilar, no bairro do Recife. Os dois vivem uma mesma realidade, não tão colorida quanto as das histórias infantis, mas, ainda assim, se divertem e fazem questão de dizer que não gostam um do outro. Mas só de brincadeira, pois são, na verdade, melhores amigos. Mais “desenrolado”, Fábio já estava toda preparado para uma entrevista. “Eu já aprendi Nagô, Coco, Maracatu, Ciranda”, disse, ao falar sobre o que já aprendeu no Pró-Criança, onde está há pouco mais de três meses. Deu trabalho no começo, ainda dá, é danado, mas aprende cada vez mais com a música. “A arte é um detalhe para um assunto mais profundo, de educação, respeito ao próximo, cidadania”, enfatiza Tarcísio Rezende, professor de Percussão.

Credito: Teresa Maia/DP/D.A Press

Fábio Vasconcelos, de 11 anos, aprendeu Nagô, Coco e Maracatu no Movimento Pró-Criança. Crédito: Teresa Maia/DP/D.A Press

Uma das pessoas que fazem tudo aquilo acontecer, Maria José Pereira é a responsável pela “educação religiosa” das crianças. A maioria é evangélica, mas todos as religiões têm espaço. A grande discussão é, na verdade, sobre valores, é um esclarecimento para que eles possam respeitar todas as crenças. “A gente costuma escutar a partir da realidade deles, do que eles vivem. Eles têm muito a questão da violência”, explica Maria, que, mais do que falar sobre religião para as crianças, busca falar sobre o que de bom cada um pode fazer para ajudar o outro.

O Pró-Criança é, na verdade, uma grande família. Aos 18 anos, Dannielly Yohanna faz parte dela há oito, todos dedicados a aprender e, mais recentemente, ensinar as particularidades da percussão. Agora na posição de ajudante do professor, ela é um dos exemplos de sucesso do espaço: arrasa no instrumento, foi chamada, inclusive, para tocar com o Mestre Duda, nome de peso quando o assunto é música pernambucana. “Mudou tudo na minha vida”, faz questão de enfatizar quando fala sobre o movimento.

 Dannielly Yohanna, de 18 anos - Crédito: Teresa Maia/DP/D.A Press

Dannielly Yohanna, de 18 anos – Crédito: Teresa Maia/DP/D.A Press

Doações e voluntários são sempre muito bem-vindos. Recentemente, a unidade que fica nos Coelhos foi destruída por um incêndio, o que aumentou ainda mais a necessidade de ajuda à instituição. As atividades continuam em um galpão na Rua dos Coelhos, 317, Boa Vista, onde há possibilidade de fazer doação e se inscrever para voluntariado.

Veja vídeo e saiba um pouco mais sobre o Movimento:

Imagens: Teresa Maia // Reportagem: Gabriella Autran

Author: Gabriella Autran

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