Desfile de transexuais na passarela de Ronaldo Fraga marcou história no SPFW
Por Thayse Boldrini
A repórter viajou a convite do SPFW
São Paulo: Ronaldo Fraga protagonizou um dos momentos mais marcantes da semana de moda brasileira na manhã desta quarta-feira. Com o Theatro São Pedro lotado de convidados, o estilista apresentou um desfile totalmente fora do convencional: todas as modelos eram transexuais, a grande maioria nunca tinha desfilado ou participado de uma semana de moda. A seleção foi feita via Facebook. As candidatas recebiam convite para um casting sem ter a mínima noção de que iram participar de um desfile comandado pelo Ronaldo. Após o teste, 28 transexuais foram selecionadas, desde mulheres operadas a travestis.
“A moda brasileira nega e desconhece essa figura – trans. A coleção que eu apresento fala de amor, de resistência e fala da moda como instrumento de libertação de uma história muito séria. A moda libertando o corpo, o corpo como prisão. Então, você imagina uma alma que não cabe naquele corpo, que nasce desconhecendo aquele corpo, ela não reconhece aquele corpo e o que vai libertar é a primeira saia, o primeiro batom, a primeira sandália. Isso tudo justifica essa mágica da moda”, explica Ronaldo.
Ronaldo não quis saber do novo conceito see now, buy now (veja agora, compre agora) adotado pela temporada, nem colocar a roupa em evidência. A proposta era dar visibilidade para a causa, chamando atenção para o fato de que o Brasil é o país que mais mata transsexuais no mundo. No time das trans tinha de tudo: cabelereira, garota de programa, professora e dona de casa. “O mais difícil da moda é entender o tempo em que se vive. O que fizemos vai virar conversa no café da manhã das famílias”, afirmou o estilista.
Do outro lado do palco, Costanza Pascolato ia às lágrimas a cada passo das modelos. Não só ela. Muitos também se emocionaram e fizeram questão de registrar o momento em vídeos e fotos. As modelos envergaram vestidos com referências dos anos 20 e 30, com sapatos de salto médio. Uma delas atende pelo nome de Isabela Pascolatto. Ela fez a transição há três anos e comemorou o fato de ter sido convidada para desfilar na passarela do estilista. “Foi muito emocionante. Eu trabalhava no mundo da moda, sou formada nessa área e já atuava no setor antes da minha transição. Quando eu resolvi transicionar não consegui mais emprego, senti muito preconceito. Essa oportunidade foi incrível. O que eu sinto é incabível e não tem como descrever em palavras. Foi lindo, histórico e incrível”, disse a modelo.
Enquanto todos esperavam a tradicional “fila final” do desfile, Ronaldo Fraga foi além do óbvio. As cortinas abriram e todas as transexuais apareceram somente de lingerie, dançando abraçadas, em passos lentos. O estilista, por sua vez, surgiu para agradecer a presença dos convidados e, chorando, beijou as mãos das modelos, uma por uma. Depois do espetáculo, Ronaldo concedeu entrevista coletiva aos jornalistas de toda a imprensa nacional e frisou: “O que menos importa é a roupa. Nós não precisamos mais de roupa, precisamos de outras coisas. A moda precisa começar esse exercício de estabelecer diálogo com outras frentes, com outros lugares, trazer outras sensações”.
Sobre Ronaldo Fraga
Em edições anteriores, Ronaldo Fraga chegou a colocar senhoras idosas a refugiados para desfilar com suas criações. Em 2013, causou controvérsia e foi chamado de racista quando usou perucas de palha de aço em um desfile sobre a cultura africana no Brasil. Em sua defesa, o estilista afirmou que as perucas foram, ao contrário, uma crítica ao racismo.