“Eu nunca quis ser chef, nem cozinheira. Fui escolhida pelos orixás com sete anos de idade”, conta Carmem Virgínia

“Eu nunca quis ser chef, nem cozinheira. Fui escolhida pelos orixás com sete anos de idade”, conta Carmem Virgínia

Crédito: Julio Jacobina/DP

Crédito: Julio Jacobina/DP

Recifense com raízes africanas da Nigéria, Carmem Virgínia, de 41 anos, exala alegria e alto astral.  Ela é a chef do seu próprio restaurante, o Altar – Cozinha Ancestral, localizado no bairro de Santo Amaro, no Recife. Orgulhosa do seu axé, da sua comida e da sua história, Carmem confessa que sua trajetória como cozinheira começou cedo. “Minha vida sempre foi dentro da cozinha”, conta, lembrando da sua avó e tias.

 A pernambucana segue a religião do candomblé e tem um papel importante no terreiro – ela é Yabassé. “É como se fosse uma chef de cozinha dentro da cozinha de santo”, explica. Ela ainda admite que nunca quis trabalhar cozinhando e que foi escolhida pelos orixás quando era criança. Desde então, se preparou para a função, que exerce com maestria.

Crédito: Divulgação

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Carmem Virgínia é um exemplo de representatividade na causa negra: “os pretos têm que fortalecer os pretos. E, se eu puder, eu vou trazer a pretaria toda”, disse. A cozinheira tem um currículo extenso de eventos gastronômicos no Brasil e no exterior e, no dia 10 de agosto, vai estrear como jurada no programa de televisão Cozinheiros em Ação, da GNT. O convite foi feito pela atriz Taís Araújo e as gravações ocorreram em abril. Carmem já tinha participado do Encontro, programa de Fátima Bernardes, na Globo.

Lázaro Ramos, Carmem Virgínia e Taís Araújo - Crédito: Divulgação

Lázaro Ramos, Carmem Virgínia e Taís Araújo na recente passagem deles pelo Recife – Crédito: Divulgação

Em tempo, Dona Carmem acredita que a culinária pernambucana deve ser perpetuada e, por isso, é tão importante disseminá-la. “A culinária pernambucana me representa, por isso eu cozinho ela. Quero que ela seja conhecida por todos”, afirma.  Em entrevista exclusiva ao Blog João Alberto, Carmem contou tudo sobre seu caminho no mundo gastronômico, seu papel no terreiro, participação no reality Cozinheiros em Ação e ser negro. Confira:

Como começou a sua história com a gastronomia?

Eu nunca quis ser chef, nem cozinheira. Eu fui escolhida pelos orixás com sete anos de idade. Já estava dentro de mim, do meu sangue. Eu fazia parte de um terreiro e que lá cultuavam os orixás. O próprio orixá da casa me pegou nos braços e falou que queria que eu cozinhasse. Fui preparada desde então pra ser Yabassé. Eu tenho também a minha avó que era merendeira de escola pública, todas as minhas tias são boas cozinheiras. Minha vida sempre foi dentro da cozinha. Na verdade, eu queria ser jornalista, sou formada em rádio e TV, mas as funções nas cozinhas dentro do terreiro foram tomando muito do meu tempo. A minha comida ficou de um jeito que os pais e mães de santo me chamavam pra cozinhar.

Como você definiria o seu estilo de cozinhar?

O meu estilo de cozinha é a cozinha ancestral. Uma cozinha que veio antes de mim. É uma cozinha que eu não criei, só continuei. Eu sou a continuação. A cozinha que eu faço é muito verdadeira, é a cozinha dos pretos.

Quais as características da culinária africana e como você adapta para a cozinha pernambucana?

A grande característica da cozinha africana é o uso do dendê, da pimenta, dos temperos. Eu adapto para Pernambuco porque aqui tem muito da África. Eu faço uma culinária para todo mundo comer, sem cor nem credo. E tem que gostar de comer para gostar da minha comida. E já deixo claro que não vai ser uma experiência natural. A pessoa não vai se alimentar da minha comida, vai se alimentar da energia da minha comida, do meu axé. Eu tenho orgulho do meu axé.

Quais eventos gastronômicos você já foi no Brasil e no exterior?

Eu faço o Águas de Janaína, há cinco anos, no Bar da Dona Onça e na Casa do Poço, de Jeferson e Janaína Rueda, em São Paulo. É um evento que eu cozinho com eles. Eu já fui também para o Pará, Maranhão, Minas Gerais… Um bocado de lugar. E fora, já fui para a África.

Carmem Virgínia é formada em rádio TV e queria ser jornalista - Crédito: Divulgação

Carmem Virgínia é formada em rádio TV e queria ser jornalista – Crédito: Divulgação

Qual evento gastronômico mais te marcou e por quê?

Ir cozinhar na África foi especial e significativo pra mim. Mas não foi como profissional, foi como pessoa. No âmbito profissional, com certeza é o Águas de Janaína. Eu, Jeferson e Janaína Rueda combinamos de fazê-lo para o resto da vida. É uma honra cozinhar com meus amigos, que abriram as portas para mim.

Qual a importância de disseminar a culinária pernambucana?

A importância de disseminar a culinária pernambucana é para que ela se perpetue. Essa culinária que faz parte de mim. Sou pernambucana da gema, ainda que meus ancestrais sejam africanos, eu nasci nessa terra. Quando eu cozinho a minha comida,  estou mostrando quem eu sou. A culinária pernambucana me representa, por isso eu cozinho ela. Quero que ela seja conhecida por todos.

Você foi convidada para ser jurada no programa da GNT Cozinheiros em Ação. Qual será seu diferencial? Como foram as gravações?

As gravações foram muito boas, fiquei muito feliz e lisonjeada. Meu diferencial é que eu sou Carmem. Eles querem essa imagem de mulher trabalhadora, dona de casa, de terreiro, mas que estudou. E eu sou coração. Me emocionei com muitas pessoas. O que eu queria mesmo é que os participantes sentissem que estavam ali sendo cuidados por mim.

Como será a temporada?

A temporada vai ser linda, incrível, divertida, cheia de surpresas. Vai vir muita coisa boa por aí. Vai começar dia 10 de agosto.

Qual você acredita ser o seu papel como chef pernambucana e negra na televisão?

Eu acredito é que meu papel é com meu povo negro. Eu quero que surjam outras Carmem Virginias, que sejam negras e que cozinhem tão bem ou até melhor do que eu. E que se não souberem cozinhar, que eu esteja sadia para poder ensinar. O negro tem que brilhar. Para que as pessoas olhem para gente e pensem “ela veio de Santo Amaro, da favela e está aí.”. Quando eu cozinho é uma forma de oração para que outros venham e também sigam esse caminho.

O que é uma Yabassé?
Uma Yabassé é a mãe da cozinha. É como se fosse uma chef de cozinha dentro da cozinha de santo.

Como você enxerga o cenário do candomblé em Pernambuco?

Eu enxergo que tem grandes terreiros e ótimos babás (pais) e iyas (mães). Pernambuco tem mais de três mil terreiros. Eles precisam aparecer mais para o público. Não sou a única de terreiro que tem essas características de alegria e trabalho. Quero que permitam que essas pessoas saiam do anonimato.

A indicação para o programa Cozinheiros em ação veio da atriz Taís Araújo. Como é a sua relação com ela?

Preto com preto se entende. É pelas oportunidades. Taís é muito generosa, não comigo, mas com a maioria das pretas. A gente tem que tomar conta um do outro, tem que sair dos guetos e ir pra cima. Se tiver mais um preto sendo visto, isso nos fortalece. Os pretos têm que fortalecer os pretos. E, se eu puder, eu vou trazer a pretaria toda.

Author: Júlia Molinari

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