Carlos Burle: o pernambucano que surfou ondas gigantes

Carlos Burle: o pernambucano que surfou ondas gigantes

O surfista, expert em ondas grandes, passou por muitos obstáculos durante sua trajetória – Crédito: Reprodução / The Beach

Primeiro campeão mundial do Circuito Mundial de Ondas Grandes e dono de um espaço no Guiness Book. O recordista, surfista e recifense Carlos Burle, de 49 anos, tem uma trajetória impressionante dentro e fora do mar. Casado com Lígia Moura, de 41 anos, pai de Iasmim, 19, e Reno Kai, 7, ele vive no Rio de Janeiro e dissemina pelo Brasil e pelo mundo, tudo que aprendeu com sua carreira e na vida. 

Sua história no surf começou aos 13 anos, quando estava na praia de Boa Viagem. “Vi quatro surfistas passando, carregando pranchas, loiros, de bermudas coloridas. Eu logo pensei: ‘Esse esporte deve ser legal'”, contou. Após isso, Burle começou a se envolver e, com seis meses, tinha conquistado o sexto lugar em uma competição no Acaiaca, sendo considerado a revelação do campeonato. Desde então, não parou mais.

Carlos Burle é recifense, radicado no Rio de Janeiro – Crédito: Reprodução / Carlos Burle

A carreira começou com muitos obstáculos. “O esporte tinha uma imagem muito agregada a drogas e vagabundos. Então a gente tinha um preconceito muito grande da sociedade, poucos patrocinadores e pouca estrutura”, explica o surfista. “Meus pais me apoiavam, mas quando eu me tornei profissional, eles não ficaram tão felizes”. Aos 18, Carlos Burle decidiu trocar a capital pernambucana pelo Rio de Janeiro para se dedicar inteiramente ao surf.

Após seis meses, deixou a Cidade Maravilhosa mas, desta vez, com passaporte para o Havaí. “Passei por uma fase ruim, que perdi meus patrocínios. Depois disso, comecei a fazer dinheiro com viagens, vendia produtos e muambas que comprava aqui e vendia na Europa”, confessa. 

Após ter surfado uma onda de 22,6 metros na Califórnia, Carlos Burle entrou para o Guiness Book – Crédito: Reprodução / Carlos Burle

Pernambucano arretado que é, Carlos Burle nunca desistiu dos seus sonhos. Ele coleciona cerca de 30 títulos e participações, entre competições locais, regionais, nacionais e mundiais. Atualmente, além de surfista, ele também roda o país ministrando palestras motivacionais. Tem em seu currículo participação em programas televisivos e uma agência, onde mantém o seu próprio programa, o Gigantes do Surf. 

No dia 17 de novembro, Carlos vem ao Recife para lançar o livro Carlos Burle – Profissão Surfista, na Livraria Leitura, do Shopping Tacaruna. Na obra, ele revela todos os bastidores da carreira. “Tem coisa no livro que meu pai, minha mãe e minha filha não sabem. Vai ser uma surpresa para muita gente. Não existe o campeão ali, existe o ser humano”, adianta.

Carlos Burle tem 49 anos e ainda está na ativa como surfista – Crédito: Reprodução / Esporte Ponto Final

Durante bate-papo com a equipe do Blog João Alberto ao telefone, o ícone do surf contou toda a sua trajetória, qual foi a onda mais difícil da sua vida, sobre seus outros projetos e deu conselhos para quem quer se tornar surfista profissional. Leia na íntegra:

O que te fez aprender a surfar?
A minha atração pela natureza e uma cena que vi quando estava na Praia de Boa Viagem, aos meus 12 anos. Sempre gostei de liberdade. Vi quatro surfistas passando, carregando pranchas, loiros, de bermudas coloridas, logo pensei: “Esse esporte deve ser legal”.

Como foi o início da carreira no mundo do surf?
Tive uma evolução rápida. Comecei a competir no Recife mesmo. Após seis meses de treinos, competi no Acaiaca aos 13 anos, fiquei na sexta posição e fui considerado Revelação do campeonato.  Comecei surfando nas praias da capital e, em seguida, fui para as praias do litoral sul de Pernambuco. Aí depois Nordeste, Brasil e mundo.

Carlos Burle viajou por vários lugares do mundo em busca de ondas grandes – Crédito: Reprodução / Red Bull

Quais foram as dificuldades no início da carreira?
Falta de apoio financeiro e também emocional. O esporte tinha uma imagem muito agregada a drogas e vagabundos. Então a gente tinha um preconceito muito grande da sociedade, poucos patrocinadores e pouca estrutura. Meus pais me apoiavam, mas quando eu me tornei profissional, eles não ficaram tão felizes. Não existiam exemplos de surfistas bem sucedidos e bem remunerados.

Por que você decidiu morar fora do Recife?
Para poder viver do surf. No Sudeste já existiam surfistas melhores, patrocinadores, campeonatos e mídia. Fui com 18 anos para o Rio de Janeiro. Morei lá por seis meses, depois viajei para o exterior. Vivi cinco meses no Havaí. Voltei pro Brasil porque tinha que ajudar meus pais. Ajudei ele por duas semanas, mas não entendia nada do trabalho. Fiquei bem triste nesse período. Depois, estava acontecendo o primeiro Circuito Brasileiro de Surf, em 1987. Só consegui participar da terceira etapa, garantindo a segunda posição. Com isso, arrumei um patrocinador. Graças a Deus consegui sair de casa mais uma vez, fui novamente ao Rio de Janeiro. Eu tinha uma paixão muito grande por ondas grandes, as que eu surfei no Havaí. Eu não tinha cabeça e maturidade para entender que tinha que voltar para o Brasil. Passei por uma fase ruim que perdi todos meus patrocínios. Depois disso, comecei a fazer dinheiro com viagens, vendia produtos e muambas que comprava aqui e vendia na Europa. Fiz o mesmo em Bali e no Havaí.

Carlos tem o título de bicampeão mundial de surf em ondas gigantes – Crédito: Reprodução / Red Bull

Quando você percebeu que estava levando o surf brasileiro a outro patamar?
A partir do primeiro Campeonato Mundial de Ondas Grandes de 1998, quando fui campeão mundial individual. Rodrigo Rezende ficou em quinto lugar, por equipe. Esse campeonato foi divisor de águas. Não tinham competições internacionais de ondas grandes. Só havia o Eddie Aikau, para convidados. E esse novo campeonato mundial teria participação de outros países. O Brasil já era uma potência e fomos, mas não tinha ainda uma história. Tivemos a primeira oportunidade naquela competição.

Quais os títulos mais importantes que conquistou em sua carreira?
O mais importante é o de 1998. Teve o recorde dois anos depois, em 2001. Usamos jet ski para surfar ondas gigantes. A onda tinha 22,6 metros, em Mavericks, na Califórnia. Estávamos no topo do mundo. Teve também o Circuito Mundial de Ondas Grandes, em 2009. Fui campeão, aos 42 anos. Foi muito legal porque fui o primeiro campeão do Campeonato e do Circuito. No Brasil, hoje, temos o surf com outra imagem. Por exemplo, este ano já tiveram 10 campeonatos, nos quais o Brasil ganhou metade.

Carlos Burle criou o seu próprio programa televisivo – Crédito: Canal OFF/Divulgação

E o que marcou a sua vida profissional como surfista até agora?
O que mais marcou a minha vida não foi um episódio, mas a resiliência, o poder de levantar, se superar e transformar. Saber que você a cada momento precisa se transformar para ter uma vida tão longa. Poxa, eu participei da criação do esporte de diversas maneiras.

Qual foi a onda mais difícil que surfou?
A onda mais difícil foi em Nazaré, em Portugal, dia 28 de outubro de 2013. Estava com Maia Gabeira, Pedro Scooby e Felipe Cesarano. A gente fez essa expedição pra surfar as maiores ondas das nossas vidas. Até que Maia se acidentou, se afogou e ficou debaixo d’agua por muito tempo. Tirei ela da água, conseguimos reanimá-la. Aí ela foi socorrida, assessorada e foi para o hospital. Voltamos para o mar depois disso. Surfei uma onda muito grande e, com tudo isso, foi bem difícil.

E a conquista do Guiness Book?
É muito bom ser reconhecido. Muito bom saber que todos os anos de dedicação que você teve com o esporte está, de alguma forma, tendo um retorno. É uma honra, mais uma vez, ter o prazer de estar representando o seu país, cidade, comunidade, através de uma quebra de recorde. Você vê que valeu a pena abrir a mão de tantas coisas para chegar onde cheguei. O profissional às vezes é muito egoísta e minha motivação sempre foi construir esse esporte. Muitas vezes olhei só pra mim e pro meu umbigo e, quando você tem uma recompensa dessa, é um aprendizado também. Até porque o topo do mundo é um caminho de uma só mão, aí você cai. Sempre aprendi mais com as minhas derrotas do que com as minhas vitórias.

Carlos Burle se prepara o ano inteiro para um campeonato e pratica atividades como meditação e yoga – Crédito: Reprodução / Carlos Burle

O que você sente quando está surfando?
Eu sinto paz, uma conexão imensa com a natureza. O mar tem muita coisa para me ensinar. Aprendo muitas lições dentro d’água e trago elas para minha vida, rotina diária. Ter paciência, ter humildade. O mar é muito mais poderoso do que a gente eme ensina toda hora a ser humilde.

E o preparo físico?
Preparação acontece muito antes do campeonato. Quando eles chamam o campeonato, a gente não sabe quando vai acontecer. Não tem uma data certa, tem uma espera de meses. O mar tem que ter um tamanho determinado. Treino constantemente: cardiovascular, força, alongamento, reiki, meditação, yoga, a mente. Tenho que dormir bem, comer bem. Estar tranquilo. Estar descansado para viajar uma distância longa e estar pronto em 48h para competir. É um jogo psicológico muito grande. Tem que estar preparado em qualquer dia do ano. Se perder uma competição, perde muita coisa. A preparação é o ano todo, não é um pré-evento. Tem que estar pronto.

Carlos Burle vem ao Recife lançar o seu livro, no dia 17 de novembro, na Livraria Leitura do Shopping Tacaruna – Crédito: Reprodução / Carlos Burle

O que você pode nos falar sobre o documentário Gigante por Natureza?
É muito bem feito pelo Felipe Jó, com produção de Carlos Sanfelice. Foram anos na estrada, colhendo depoimentos, descobrindo a visão do ser humano, não do surfista. Não gosto de falar só de surf. Gosto de ver o surfista como ser humano. Temos medos, receios. Tem outras relações também, como a familiar. O documentário fala sobre o ser humano com a necessidade de viajar, sair da zona de conforto, procurar outros lugares e explorar, que é basicamente o que um surfista tem que fazer. Mas jamais é um produto focado só no surf, nunca tivemos essa intenção. Gigante por Natureza tem a ver com o Brasil, o nordestino, retirante… A superação gera emoção. Participei como protagonista. Foi lançado em um festival no Rio de Janeiro. Em março deverá ser lançado no Recife, em um festival também.

O recifense ministra palestras por todo o Brasil e já disseminou seus conhecimentos no México e na França – Crédito: Reprodução / GQ

Você roda o país ministrando palestras. O que procura passar para as pessoas?
A maioria das palestras é motivacional. Mas dependendo da demanda do cliente, a gente consegue entregar o tema que a companhia está precisando passar pra audiência. Por exemplo, já palestrei sobre gerenciamento de risco, trabalho em equipe, marketing, como trabalhar a sua imagem, qualidade de vida. Eu consigo adaptar dentro da minha história e entregar o conteúdo que o cliente quer. Estou sempre empolgado, sempre me entrego. Estudo legal as necessidades e me envolvo de verdade. Acredito muito que se eu to fazendo algo, eu tenho que estar presente em todo o momento. É o conceito de mindfulness. Já fiz palestra para empresas como C&A, Johnson e Johnson, Herbalife, NET. Já fui pra vários lugares no Brasil, mas também palestrei na França e no México.  Gosto muito dessa interação com o público. De fazer com que eles entendam o quanto o surfista é sério, profissional,  e o quanto eu tive que me superar pra chegar até aqui hoje. Se eu não tivesse me reinventado a todo momento, eu não estaria aqui. Falo também para jovens, universidades, escolas. Não teria a chance de conhecer essas pessoas se não fossem as palestras. Acho uma ótima ferramenta. Eu amo muito o meu esporte, mas às vezes me cansa falar só sobre isso. Gosto de ser humano, sou apaixonado pela vida.

Qual a sua função no programa Desejar Profundo, no canal OFF?
Eu fiz seis temporadas deste programa como protagonista. No ano passado, eu criei a minha produtora e o meu próprio programa, Gigantes do Surf, que encerrou a primeira temporada com 13 episódios. Neste último, eu mudei um pouco a minha participação. Antes, era reality, as câmeras me acompanhavam. Agora é doc-reality, faço muitas entrevistas, trago os personagens do surf de ondas grandes e falo do tema. Participo de várias formas: roteirizo, trago tema, contatos. Está sendo um desafio interessante.

Carlos Burle – Crédito: Reprodução / Red Bull

Você vem ao Recife para lançar o livro Carlos Burle – Profissão Surfista. O que você conta na obra?
Eu conto tudo que eu não conto nas entrevistas, nem nos filmes. Se você quiser saber algo sobre o Carlos Burle, você vai dar um Google e vai ver vários conteúdos. Agora, quando eu pensei na no livro, quis escrever de ser humano para ser humano, desconstruir essa ideia de atleta, herói, e trazer esse lado para aproximar as pessoas. Ter o atleta ou o herói como algo distante não é positivo, saudável. Aí é um movimento oposto que eu estou fazendo. É um movimento que eu estou me expondo totalmente. Estou achando interessante porque foi um trabalho psicológico, uma análise. Foram três anos trabalhando com André Viana, a gente chorou e riu muito. E eu não fujo dos desafios. Não me sentiria bem se não fizesse um livro verdadeiro. Não estou fazendo para vender palestras, angariar patrocinadores. Até porque a gente não sabe a reação das pessoas. Mas eu tenho a certeza que fui bem intencionado. Tem coisa que no livro que meu pai, minha mãe e minha filha não sabem. Vai ser uma surpresa pra muita gente. Não existe o campeão ali, existe o ser humano. Vou estar no Recife dia 17 de novembro, na Livraria Leitura, do Shopping Tacaruna.

Qual o seu conselho para quem deseja se tornar surfista profissional?
Primeira coisa é procurar se conhecer. Autoconhecimento é a chave para uma vida mais saudável e equilibrada, um ser humano feliz. Através disso, você vai ter uma oportunidade e chance muito maior de ser bem-sucedido. Seja surfista profissional ou de ondas grandes. Você precisa passar por esse processo. Se realmente decidir que você quer ser um surfista de ondas grandes, significa que você é apaixonado. Tem que ter amor, porque é difícil. Procure sempre estar na hora certa e no lugar certo, sempre preparado fisicamente e psicologicamente. Quanto mais ondas grandes você surfar, mais você vai evoluir. Quem tem mais acesso progride mais, porque são ondas raras.

Crédito: Reprodução / Uol

Como você enxerga o cenário do surf em Pernambuco?
Muita gratidão por tudo que eu tive quando comecei. O esporte no Recife continua vivo. É legal saber que temos talentos que são promissores, campeonatos, uma entidade que toma conta disso. Minha vontade, minha expectativa e esperança é que o surf continue crescendo, para que traga novos representantes e siga sendo referência. Já temos Paulo Moura, Eraldo Gueiros. Estamos precisando de uma renovação. Ficou claro que o núcleo do surf saiu de Boa Viagem e Piedade, e foi para o litoral sul do estado, como Maracaípe e Porto de Galinhas. É importante essa adaptação. Ali é uma região muito boa para a prática do esporte.

Você tem algum sonho como surfista que ainda não realizou?
Tenho vários. Quero ver o meu esporte cada vez melhor. O surf de ondas grandes ainda é muito recente. O normal já tem mais de 30 anos consolidado. O Circuito Mundial de Ondas Grandes começou em 2009, tem sete anos. Quero ver a minha categoria crescer muito. Você precisa ser muito preparado. Quero ver a tecnologia levando também essas emoções cada vez mais vivas para os telespectadores. A tecnologia está cada vez mais presente na nossa vida. Meus sonhos são direcionados à evolução do surf. Já conquistamos espaço nas Olimpíadas, eu vi no Japão acontecer. Está sendo, realmente, para mim, um grande momento poder viver tudo isso que eu nunca imaginei que fosse viver.

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Author: Júlia Molinari

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