Rivandro França fala sobre os sabores do sertão, cultura nordestina e a popularização dos chefs de cozinha através dos programas de TV

Rivandro França carrega o gosto da culinária nordestina em sua cozinha – Crédito: Maria Eduarda Bione/Esp.DP
De chapéu de couro e sotaque arrastado, Rivandro França conquistou o mundo através das caçarolas de seu Cozinhando Escondidinho. Nascido em Olinda, o pernambucano carrega consigo a missão de evidenciar ingredientes do Nordeste. Em seu cardápio, macaxeira, batata doce, queijo coalho, castanha de caju, mel e até mesmo cactos apresentam os sabores de nossa cultura através de uma degustação única e inigualável.
Acontece que, diferente do esperado, a cozinha entrou em sua vida por uma decisão do destino e inspiração familiar. Ao longo de 17 anos, trabalhou como técnico de enfermagem, seguiu carreira no Exército, mas foi em meio as panelas de seu pai, o cozinheiro Ricardo Luiz de França, que Rivandro encontrou-se profissionalmente. A princípio, decidiu ganhar dinheiro fazendo bombons recheados de produtos regionais, como batata doce e macaxeira e, com o sucesso do negócio, resolveu investir na produção de escondidinhos. Porta a porta, o olindense começou a conquistar sua clientela que 7 anos depois não abre mão dos almoços dominicais em seu restaurante, no bairro de Casa Amarela.

Os prêmios que o chef Rivandro França já ganhou estão expostos no restaurante – Crédito: Thayse Boldrini/DP/D.A Press
Longe da alta gastronomia, repleta de técnicas complexas e ingredientes caros, ele consegue ser contemporâneo ao utilizar produtos de nossos mercados públicos. Em sua cozinha, um fogão de pilão herdado do avô e utensílios locais roubam a cena. Nas paredes, caixas de ovos e bibelôs ilustram a decoração que nos transporta diretamente para uma casa do interior, simples, intimista e muito aconchegante de modo que abrace o cliente, o que afirma ser o segredo do sucesso.
Ao falar sobre sua trajetória, o brilho de seus olhos não esconde o encanto de quem realmente é apaixonado por aquilo que é de sua terra. Como chef de cozinha, ele levanta a bandeira nordestina e faz questão de afirmar que o que nos é dado é o suficiente para construir sabores únicos, além de rebater criticas e tabus sobre a cultura nordestina. De pés no chão e com muito orgulho do que faz, Rivandro bateu um papo sobre o dia a dia de sua cozinha e os atributos necessários para torna-se um bom chef. Confira a entrevista:
Como você enxerga o cenário da gastronomia no Recife atualmente?
Atualmente, o cenário da gastronomia no Recife vem passando por uma dificuldade muito grande, na verdade, o Brasil inteiro está passando por isto. Nossa cidade tem um diferencial que as pessoas vão até onde tem a comida, um dos estados onde isso mais acontece. Exemplo, meu restaurante é na Zona Norte, mas tenho muitos clientes da Zona Sul. Temos um público que admira e gosta da comida. Come por admirar, não quer só volume ou preço, ele vem em busca de qualidade e um lugar aconchegante. Esse é nosso diferencial.

Crédito: Maria Eduarda Bione/Esp.DP
Você pensa em expandir o Cozinhando Escondidinho?
Não vou usar a palavra nunca por ser algo muito pesado, mas o Cozinhando Escondidinho permanece em Casa Amarela e jamais irá sair, se mantém com o máximo de 80 lugares, não passa disso. Não tem previsão de franquia para abrir em outro local. Queremos manter nosso molde atual, de forma aconchegante.
O que você considera como destaque e diferencial na culinária nordestina?
Diferente de outros estados, a culinária nordestina é muito forte. Os guizados, sarapatel, moela, que em outros estados são tidas como comidas exóticas se destacam. Na verdade é uma comida de sustância e raiz. Hoje, as pessoas não estão mais saindo para comer conceito e sim aquela comida de mãe, que abrace a mesa. Ao falar disso, o Nordeste se destaca porque nosso cozinheiros, ingredientes, e alimentação têm essa pegada raiz, da cozinha cheia de afeto.

Na foto: Prato Galinha Cabidela, preparada por Rivandro – Crédito: Maria Eduarda Bione/Esp.DP
Quais seus ingredientes favoritos e o que mais te encanta nos pratos que você cria?
O que mais me apaixona é sempre algo que envolve a macaxeira, batata e inhame em uma nova apresentação, de um jeito bacana, isso para mim é encantador. Eles são os três que mais me encantam. Nos pratos que crio, o que gosto mesmo é de olhar e ver como uma inspiração, não só como comida jogada. Um de meus pratos favoritos é o pirão de queijo coalho na cumbuca virada, dando a impressão de que está derramando por cima. Foi o primeiro prato criado na casa, há 7 anos e hoje é o que mais vende e rende matérias. É meu xodó.
Quais são as suas primeiras lembranças na cozinha?
Quando falo de cozinha lembro logo de meu pai, pois cresci o vendo na cozinha, ele era o chef da casa. Minha mãe como costureira era uma ótima cozinheira, ela não gostava muito de fazer comida. Essa é minha primeira lembrança. Meu prato favorito sempre foi galinha, na infância comia muito pé de galinha com farofa de bolão. Nunca tive ideia de ser chef, queria ter uma casa onde as pessoas pudessem ir comer e tivessem aquele lugar como referência. Logo quando comecei, eu entendi que ser chef não era sair da faculdade e estava pronto, tive que comandar realmente uma cozinha. Senti que era cozinheiro, amanhecia com essa vontade.

Crédito: Paulo Paiva/DP
Qual o maior desafio para se tornar um chef?
Entender da cozinha, técnica, cocção, texturas, sabores, harmonização, saber gerir uma equipe dentro da cozinha… Tudo isso são detalhes que a prática vai lhe ensinando e lhe tornando cada vez melhor.
Quais os critérios na seleção dos ingredientes para sua cozinha?
Primeiro é afeto. Aquele ingrediente que cresci vendo e acompanhando e sei o sabor desde a infância. O segundo é ser algo que ninguém tá olhando ou gosta, que discriminam falando que é feio, amargo, pobre, aquilo que ninguém dar valor e acha que é só um complemento do que você tá fazendo. Isso é o que mais me encanta.

Crédito: Eduarda Bione/Esp.DP
Qual a atração principal no cardápio do Cozinhando Escondidinho?
A entrada é um caldinho de mocotó. Hoje a galera já chega pedindo, é uma receita inspirada em Rodrigo Oliveira. Petisco maior que é a Tábua da salvação, uma mistura de macaxeira, batata, carne de sol, queijo coalho, castanha de caju e calabresa, flambados na manteiga de garrafa e cachaça. Prato principal é o pirão de queijo coalho, primeiro que criamos e hoje é o que mais saí. Sobremesa é a cocadinha com sorvete. Esses pratos são destaques em minha casa, mas se eu tivesse que escolher um deles eu ia no pirão de queijo coalho.

Tábua da salvação, uma mistura de macaxeira, batata, carne de sol, queijo coalho, castanha de caju e calabresa, flambados na manteiga de garrafa e cachaça.
Quais chefs te inspiram?
Joca Pontes, Claudemir Barros, Duca Lapenda, Saboró, Cesar Santos, Wanderson Medeiros, entre outros.
Se você pudesse fazer um jantar para alguém que você admira, quem seria e qual seria o cardápio?
É tanta gente que admiro que não sei. Ariano Suassuna e Eduardo Campos, duas personalidades que admirei demais. Fiz alguns eventos onde eles estavam, comeram da comida que fiz, mas meu sonho era ter eles sentados em meu restaurante e cozinhar para eles. Hoje, um cara que admiro muito e fiz vários convites, sempre marcamos, mais ainda não deu certo, é Santana – O Cantador. Devido ao que ele canta, as culturas, os contos.

Caldinho de mocotó com fava – Crédito: Thayse Boldrini/DP
O que você acha do fenômeno da gourmetização?
Isso é realmente um fenômeno. O que é gourmet? Qual a diferença do brigadeiro normal para o gourmet? Ou do hambúrguer, batata? Particularmente, 11 anos de cozinha, quase 8 de restaurante, procuro páginas e páginas e não consigo entender essa gourmetização de tudo. Buchada no palito, sarapatel na palha do coco. Acho que o sabor é único, a apresentação pode variar de tudo desde que tenha uma história.

Chef Rivandro França: Crédito: Inacio Melo/Esp.DP
Conta um pouco sobre sua participação no Globo Repórter. Como desenvolver sabores a partir do cacto?
Para mim foi um divisor de águas. Hoje as pessoas gritam muito a questão das ‘pancs’ (plantas alimentícias não convencionais), a ideia quando o globo repórter entrou em contato com a gente era falar sobre elas, mas quando chegaram lá e viram o que a gente apresentou, mudou o tema para as plantas do futuro. Já vinhamos com esse trabalho há uns 4 ou 5 anos, cheguei a ser criticado algumas vezes por jornalistas e chefs de cozinha falando que era loucura. Quando a matéria veio mostrou que não era brincadeira, que as cactáceas não são uma panc, são história e cultura de um povo, matou sua sede e fome. Era comida de vaca, mas matou as necessidades de um sertanejo, hoje muitos deles têm vergonha de dizer que roubou a palma porque era da vaca, era a miséria da miséria. Estar em um restaurante onde vendo porco, moela, vários cortes de carnes e fazer pratos com palma como a bisteca, picanha, costelinha, etc é uma honra.
