Giro Blog

Plano Recife 500 Anos: Entenda o projeto com base nos interesses comuns da população

Plano Recife 500 Anos: Entenda o projeto com base nos interesses comuns da população

No ano de 2037 a cidade do Recife completará 500 anos – Crédito: Paulo Paiva/DP

Recifense, diretor da Agência Recife e Inovação (Aries), Guilherme está sob o comando do primeiro projeto brasileiro que tem como objetivo renovar toda a estrutura social e urbana da capital pernambucana ao longo dos próximos 20 anos. Pensado em 2011, durante o evento rXa, um intercâmbio de conhecimento entre as cidades do Recife e de Amsterdam, o Plano Recife 500 anos é uma iniciativa para unir a população em torno de um ideal necessário de cidade. Seu estudo está fundamentado em um plano estratégico para o desenvolvimento ordenado da cidade, sob a perspectiva da inclusão e desenvolvimento humano/econômico, espaço urbano e mobilidade, sustentabilidade e meio ambiente.

Diretor da ARIES, Guilherme está à frente do desenvolvimento do Plano Recife 500 anos – Crédito: Andréa Rêgo Barros

Com um marco temporal para 12 de março de 2037, data em que Recife completa 500 anos, a iniciativa vem sendo realizada em conjunto com a população, que possui papel fundamental em todas as fases da sua elaboração, além claro, do poder público e sociedade organizada, por meio da Prefeitura do Recife e o Núcleo de Gestão do Porto Digital. O trabalho está dividido em três etapas: desenvolvimento do Plano Recife 500 Anos; estruturação dessa nova governança que atuará como guardiã da estratégia de longo prazo; e a promoção de espaços de antecipação de futuro, experimentos que permitam ao recifense ter no tempo presente um vislumbre do que podemos construir para o futuro. 

Plano Recife 500 Anos cria metas para o futuro com base em interesses da população – Crédito: Paulo Paiva/DP

Algumas das metas estipuladas para 2018 já foram concluídas, como o lançamento de sua primeira versão estratégica, através de um caderno que propõe seis grandes transformações sintetizadas em três linhas de ação: reunir, reviver e reinventar, construído com estudos técnicos e depoimentos de 3,5 mil cidadãos.

Depois de quatro imersões na cidade, 18 reuniões com acadêmicos e 61 encontros com o poder público, o estudo identificou que o Recife dos próximos 20 anos, sonhado por seus moradores, precisa estar alinhado às necessidades culturais e tecnológicas do século 21. Distribuir oportunidades, basear políticas em dados concretos, voltar a se relacionar com as águas, e priorizar a primeira infância e o deslocamento ativo integrado, são algumas das missões a serem desenvolvidas.

Guilherme Cavalcante, diretor-executivo da Agência Recife para Inovação e Estratégia – Crédito: Paulo Paiva / DP

Visando uma maior organização e planejamento para o cumprimento das metas estabelecidas, criaram-se 17 caminhos estratégicos e 12 diretrizes, lançados em encontro no Porto Digital, traçados em uma linha do tempo com marcos temporais práticos de 2018 a 2037. Entre as metas estão elevar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), colocar internet em 100% das escolas, implantar 300km de rotas cicláveis, implantar corredores exclusivos para o transporte público em 80% das vias principais e reduzir o índice de homicídios de 52 para 27 por mil habitantes. Entenda mais sobre o projeto em entrevista exclusiva com Guilherme Cavalcanti, o diretor-executivo da Agência Recife para Inovação e Estratégia, que conduz o processo:

Como surgiu a iniciativa do projeto Recife 500 anos?

Originalmente, a ideia de utilizar a data em que o Recife faz 500 anos como ideia mobilizadora para um projeto de longo prazo surgiu em 2011, durante o evento rXa, um intercâmbio de conhecimento entre as cidades do Recife e de Amsterdam. Na ocasião, representantes de organizações daqui do Recife como UFPE, Fundaj, CAU, IAB, IPHAN, Porto Digital, Prefeitura do Recife e Governo de Pernambuco interagiram com especialistas holandeses para debater desafios comuns às duas cidades e buscar novas proposições para o futuro. Daí surgiu a metáfora da “árvore das águas” que propôs um olhar para o Recife a partir de seus diversos corpos d’água. No ano de 2012 o Observatório do Recife e as organizações que o apoiam realizaram o projeto O Recife que precisamos, com uma proposição de cinco linhas de ação orientadas ao futuro da cidade. Neste projeto também foi feito referência à data da comemoração dos 500 Anos do Recife. Durante o pleito eleitoral municipal de 2012, diferentes lideranças provocaram os candidatos a prefeito sobre a criação de uma estratégia de futuro para o Recife e a necessidade de assumir compromissos com projetos de longo prazo. Após o resultado do pleito eleitoral, o então prefeito eleito Geraldo Julio voltou a debater o tema de longo prazo com as lideranças que haviam levantado esta bandeira e propôs que a construção da estratégia da cidade fosse realizada com o apoio do poder público municipal, mas liderado pela sociedade. Durante o ano de 2013, a Prefeitura do Recife trabalhou na construção de um chamamento público para que organizações da sociedade civil apresentassem propostas para a condução do processo de construção colaborativa da estratégia de futuro da cidade. Como resultado deste chamamento, foi celebrado em 2014 o contrato de gestão com o Núcleo de Gestão do Porto Digital que tem no seu escopo a realização do Recife 500 Anos.

Vista do patio do Carmo – Crédito: Gabriel Melo / Esp. DP

Como criar uma cidade ideal em menos de 25 anos, considerando fatores importantes como educação, saúde, transporte, moradia, acessibilidade?

Estamos tratando de uma cidade, um organismo vivo que nunca estará pronto e acabado, mas em permanente evolução. Uma estratégia de futuro parte de um ideal de cidade, mas não se propõe a construir uma cidade ideal. Ter uma estratégia de cidade é compartilhar uma visão de futuro construída coletivamente sobre temas convergentes e, a partir desta visão, buscar o engajamento de todos os responsáveis na implementação de ações, projetos, programas e políticas públicas em geral que mudem a forma como construímos o futuro da nossa cidade. A linha de ação que está sendo debatida no Recife 500 Anos neste terceiro ciclo de debates parte da proposição de REUNIR, REVIVER e REINVENTAR nossa cidade. Se conseguirmos nos manter fiéis a uma estratégia de cidade e passarmos a debater as iniciativas do presente sempre numa perspectiva de futuro, já teremos transformado a forma que fazemos cidade.

Existe alguma cidade ou projeto internacional como referência para aplicá-lo neste projeto?

O objetivo é encontrar uma forma nossa de fazer cidade. Referências de experiências de sucesso em outras cidades são apenas parte das fontes de pesquisa utilizadas. Publicamos um material extenso com os indicadores do Recife comparados com outras cidades do Brasil e do Mundo. Acompanhamos sempre experiências que estão dando certo ou que têm eficácia comprovada. Contudo, o Recife 500 Anos busca propor uma estratégia construída a partir, não apenas do saber estabelecido sobre cidades, mas principalmente a partir do saber estabelecido sobre a nossa cidade e do saber que emerge do processo de participação. Ter uma estratégia começa por celebrar a identidade da própria cidade.

Vista aérea do Porto do Recife – Credito: Flavio Costa/Porto do Recife/Divulgacao.

Após o lançamento da primeira versão estratégica do Plano Recife 500 anos, qual o próximo passo para dar continuidade ao projeto?

A Agência Recife para Inovação e Estratégia – ARIES foi criada com o propósito de manter viva a estratégia da nossa cidade. Sua atuação está focada em monitorar indicadores da cidade que representem os avanços propostos na estratégia, alimentar o debate de alto nível sobre a cidade e propor soluções inovadoras que contribuam para a implementação da estratégia. A ARIES é um conjunto amplo de organizações que hoje compõe a Rede Recife 500 Anos e atua com o compromisso de manter viva a cultura da visão de longo prazo para a nossa cidade, cobrando e apoiando os diversos atores responsáveis pela construção do futuro.

No cenário atual, como a população pode desfrutar os resultados já obtidos?

No início, o Plano Recife 500 Anos pode auxiliar a população a compreender melhor temas complexos cujas soluções demandam tempo e compromisso com o longo prazo. Trata-se de um instrumento de suporte ao debate vivo sobre a cidade. É também um canal de amplificação deste debate. Além disso, a ARIES conduz projetos de experimentações urbanas inovadoras que representam o ideal de cidade apresentado no Recife 500 Anos. Já temos dois projetos em andamento que vão gerar intervenções que se propõe a criar espaços de antecipação de futuro. À medida que esses projetos forem implementados, a população já poderá desfrutar. Independente da atuação específica da ARIES, a população já pode utilizar o plano Recife 500 Anos para avaliar metas e marcos de curto prazo propostos nos Caminhos Estratégicos. Nossa cidade tem avançado em temas importantes para o longo prazo e cada um já pode avaliar estes avanços no presente.

A coordenação do Recife 500 Anos está a cargo da Aries, responsável pelas estratégias e ações de desenvolvimento da cidade em curto, médio e longo prazo – Crédito: Peu Ricardo/Esp. DP

Quais os maiores desafios para reunir, reviver e reinventar a cidade do Recife?

O grande desafio de uma estratégia de cidade é o engajamento. Cabe aos cidadãos tomarem para si o protagonismo da transformação da cidade. Se conseguirmos engajar a população e os mais distintos segmentos que compõem ela, já teremos vencido uma etapa importante. Especificamente sobre reunir, reviver e reinventar eu destacaria o desafio de perseguir de forma estruturada e contínua a redução das desigualdades (reunir) e a forma como estas desigualdades se manifestam no território. Também é fundamental que possamos mudar a forma como vivemos a cidade, uma melhoria ampla em indicadores sociais que permita uma nova forma de vivenciarmos o Recife. Por fim, abrir a cabeça a mudanças de comportamento buscando dar forma aos nossos conflitos sem abrir mão de perseguir nossos pontos de convergência. Só assim conseguiremos reinventar nossa cidade a partir daquilo que já temos de história, cultura, economia e potencialidades.

Quais as propostas para a revitalização urbana da cidade ao decorrer do trabalho?

O plano está resumido em 12 diretrizes, 3 sínteses estratégicas, 17 caminhos e 6 grandes transformações. Para compreender melhor as proposições do plano é importante o engajamento da população no conhecimento e crítica desta proposta inicial de estratégia. No site www.rec500.org.br a população pode conhecer, criticar e propor novas ideias a serem incorporadas à estratégia.

Além do projeto Primeira Infância, vocês estão buscando outras políticas públicas para integrar ao planejamento estratégico? Como essas ações podem impactar no desenvolvimento urbano e social?

Atualmente, conduzimos em parceria com a Prefeitura do Recife e a Fundação Bernard van Leer um desses experimentos urbanos que tem como tema central a Primeira Infância. A prefeitura atualmente já desenvolve mais de 600 iniciativas que impactam diretamente o desenvolvimento da primeira infância, o que estamos experimentando juntos é a otimização de partes destes esforços materializados num território específico. Além desta iniciativa, estamos conduzindo um projeto em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Global Environment Facility, o INCITI, a Secretarias de Planejamento Urbano e a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura, para realizar uma intervenção às margens do rio Capibaribe que reúna as propostas de urbanidade colocadas pelo projeto Parque Capibaribe e um conjunto de propostas inovadoras de como abordar desafios antigos com novas soluções.

A iniciativa é pioneira e acontece em parceria entre poder público e sociedade organizada, por meio da Prefeitura do Recife e o Núcleo de Gestão do Porto Digital – Crédito: Divulgação/PCR

O projeto visa promover ações relacionadas ao meio cultural e esportivo?

Na perspectiva de um plano de longo prazo, políticas de cultura constituem o elo que costura todas as estratégias da cidade. O que o plano visa promover é o uso destas políticas de cultura como vetor de transformação social e construção de unidade.

Como desenvolver uma cidade tecnológica, sem deixar de lado suas raízes e tradições culturais?

Recife é uma cidade que já nasceu globalmente conectada e cujas tradições foram construídas a partir de um conjunto vasto de influências. Ter uma estratégia de cidade envolve, dentre outras coisas, a busca pela celebração da nossa identidade, das nossas raízes e das nossas tradições. Envolve amplificar aquilo que temos e somos de melhor de forma a contribuir ao diálogo global. É buscar um lugar na rede de cidades que ocupam o imaginário das pessoas e ter a capacidade de compartilhar nossa identidade de forma a apaixonar quem é daqui e quem opta por viver aqui. Tecnologia só nos habilita a fazer isso de novas formas e com novos alcances.

O Plano Estratégico de Desenvolvimento de Médio e Longo Prazos para a Cidade do Recife está previsto para 2037 – Crédito: Divulgação/PCR

Para você, como seria o Recife ideal daqui a 20 anos?

Acima de tudo, menos desigual. Mas também uma cidade mais fluida e 100% saneada. Que o direito de todos à cidade seja plenamente respeitado e que o cumprimento de nossos deveres cidadãos seja parte fundamental da nossa cultura. Gostaria de ver nossa cidade dotada de uma rede transdisciplinar de suporte ao desenvolvimento pleno da primeira infância, com acesso universal a educação e saúde de qualidade. Uma cidade mais caminhável,  com sua mobilidade desenhada orientada pelos modos de deslocamento ativo, dotada de uma rede eficiente, segura e ágil de transporte público coletivo. Uma cidade parque, onde os espaços públicos sejam um convite ao convívio cidadão. Uma cidade que conheça, entenda, respeite e celebre seu patrimônio histórico e que se mantenha firme no compromisso com gerações futuras. Uma cidade ambientalmente resiliente, tomada por áreas verdes e que consiga colocar nossas águas a nosso favor.

Mas todas estas transformações precisam se guiar pelo propósito de reduzir desigualdades. O que aprendi andando por todo o Recife e conversando com um número enorme de recifenses é que somos de fato uma cidade ainda repleta de jovens em busca de oportunidades e que esses jovens sem acesso a oportunidades são majoritariamente negros. Não por acaso, é essa juventude negra que mais sofre com a mazela da violência urbana. Aprendi também que somos uma cidade que na sua base já é liderada por mulheres, mas que essa liderança não está refletida na mesma proporção nas estruturas políticas e sociais de condução e construção da cidade. Não por acaso são justamente as mulheres que mais sofrem com os desafios da cidade. A cidade que quero no presente materializa essa liderança feminina e busca proativamente salvar nossa juventude negra. Essa é a cidade que eu acredito que vamos construir.

Author: Eduarda Andrade

Compartilhe este post