“Quando não puder mais carregar a cruz, deixo de ser o Cristo”, diz José Pimentel

Sua figura é das mais icônicas no teatro pernambucano e, nas ruas, ele sempre é parado seja para fotos, autógrafos ou até mesmo bênçãos. Aos 81 anos, José Pimentel interpretará pela 39ª vez o papel de Jesus Cristo e garante que só vai parar quando “não conseguir mais carregar a cruz”. Ele conta que o passar dos anos castigou o seu corpo em algumas cenas, mas ter sido halterofilista e ainda jogar futebol ajudam-no nesta missão.

José Pimentel. Crédito: Paulo Paiva/DP

José Pimentel.
Crédito: Paulo Paiva/DP

Autor, diretor e protagonista da Paixão de Cristo do Recife, a história de Pimentel com a saga religiosa data de muito tempo, ainda no início da década de 60. Seu primeiro papel foi no que viria a se tornar o grandioso espetáculo de Nova Jerusalém. Ele interpretou um soldado do exército romano, sem falas, misturado a todos os outros personagens. Em 1997, assumiu o espetáculo no Recife, depois de um desentendimento com a equipe do interior, e está à frente de tudo até hoje. O Blog João Alberto conversou com ator nas vésperas da estreia do 20º ano da Paixão de Cristo do Recife. Pimentel falou sobre a carreira, as dificuldades que enfrenta, novos projetos e a atual situação política do país. Confira:

 

José Pimentel em um de seus primeiros papeis na Paixão de Cristo. Crédito: Acervo Pessoal

José Pimentel em um de seus primeiros papeis na Paixão de Cristo.
Crédito: Acervo Pessoal

– Como é a sua preparação para viver Jesus?

Este ano foi muito conturbado. Eu sempre fazia um pouco de musculação, mas este ano não deu tempo por causa da correria. Mas ainda vou tentar fazer algo até sexta-feira [dia da estreia]. Além disso, jogo futebol sempre. Toda quinta e domingo, eu participo da pelada com meus amigos. Sou artilheiro. [Risos] Mas falando sério, eu acho que meu passado como halterofilista quando jovem me ajuda até hoje. Só aguento o tranco pelo preparo físico que sempre tive.

– O que você acha mais difícil em todo o processo?

Até antes de chegar a cena de Pilatos, dá para tirar de letra. [Risos] Depois da flagelação, que é a Via Sacra, quando vou carregando a cruz, aí começa a me castigar fisicamente. Dói, machuca. A hora da cruz acho que é a pior, porque como fico pendurado em uma estrutura de ferro e madeira, a estabilidade não é mesma de quando eu atuava em terra firme. Quando me puxam para colocar a cruz de pé, dá um solavanco forte e tenho que me segurar. Se aquilo cai, sem dúvidas eu sou esmagado. [Risos] A outra parte ruim é na cena de ressurreição, quando “levito”. Morro de medo de altura, mas enfrento em nome da arte, pela paixão ao teatro. Procuro olhar para o público, fazer uma cara de riso e me concentrar, aí não dou conta da altura. [Risos] São momentos que não desejo para ninguém.

José Pimentel. Crédito: Paulo Paiva/DP

José Pimentel.
Crédito: Paulo Paiva/DP

– Até quando você pretende atuar no espetáculo? Pensa em parar?

Uma vez fui homenageado por uma escola de samba lá de Afogados e, no enredo, eles cantavam “Pimentel, só deixe o teatro no dia que você não puder mais carregar sua cruz”. É essa a resposta que eu te dou. No dia que eu não puder mais carregar a cruz, eu vou deixar de ser o Cristo. Mas este ano ainda aguento. [Risos]

– Depois de tanto tempo, tem alguma coisa que você não fez na Paixão, mas tem vontade de fazer?

Quero realizar meu sonho no ano que vem, quando será minha 40ª vez interpretando Cristo. É muito tempo no mesmo papel… Quero atuar como Jesus e Judas no mesmo espetáculo. Vou fazer isso no próximo ano.

José Pimentel em um de seus primeiros papeis na Paixão de Cristo. Crédito: Acervo Pessoal

José Pimentel em um de seus primeiros papéis na Paixão de Cristo.
Crédito: Acervo Pessoal

– Muitos atores já consideram um prato cheio ser o protagonista de um espetáculo. Além deste papel, você ainda assume, todos os anos, a direção da peça. Como concilia tudo?

Sempre me perguntam isso, porque aparentemente não entendem. [Risos] No meu caso é fácil de dizer. Eu aprendi a fazer isso, me acostumei. São tantos anos fazendo Cristo, que eu já sei demais. Se me perguntar, eu não sei decorado, mas na hora que entro em cena com a dublagem, eu sei e pronto. Então faço o seguinte: como em Jesus eu já estou tão seguro, me dedico mais ao espetáculo, com iluminação, os atores, as atrizes, a cenografia…

– Este ano você interpretará Jesus pela 39ª vez. Tem alguma cena preferida?

De uma forma geral, acho que é ceia. É a cena talvez menos teatral do espetáculo, porque só são 11 pessoas sentadas, quase sem marcações e eu em pé. E no fim da ceia, eu me levanto, vou até a frente da mesa e digo uma fala que, para mim, é a coisa mais importante de todas. Eu falo “eu deixo com vocês um novo mandamento: que vocês se amem uns aos outros como eu amei vocês. Ninguém tem um amor tão grande como este, que faz com que um homem dedique a vida pelos seus amigos. Amem uns aos outros”. Para mim é o grande mandamento, é a coisa mais bonita que podia ter e que devia ser seguido por todo mundo. Se todo mundo seguisse isso, teríamos um mundo melhor do que o que temos hoje.

José Pimentel. Crédito: Paulo Paiva/DP

José Pimentel.
Crédito: Paulo Paiva/DP

– Desde a primeira vez que você interpretou Jesus até hoje, o que mudou no José Pimentel ator?

Eu melhorei, sem dúvidas. Até porque se eu não melhorasse eu não deveria nem ser ator. [Risos] Você vai se aprimorando, vai aprendendo… Apesar da dublagem, você vai descobrindo, a cada ano, inflexões diferentes que quer dar ao personagem. Então você aprimora seu corpo, seus gestos… Ser ator é isso, é um eterno aprendizado. As pessoas me chamam de mestre, mas me considero um eterno aprendiz. Quero morrer aprendendo.

– Tem outros planos, além do teatro, que tem vontade de fazer?

Tenho vontade de escrever alguns livros. Uns cinco, mas não acho que vai dar tempo disso tudo. [Risos] Um sobre minha experiência com teatro ao ar livre, para passar o meu conhecimento. Também outros, talvez de poesia e algum que conte minha história pelo meu ponto de vista. Já fui citado em tantos livros, já disseram tanto sobre mim, mas acho que as pessoas deveriam escutar a minha versão. Quanto ao teatro mesmo, tenho o desejo de fazer, alguma vez, um teatro mais perto do público, como fazia no começo da minha carreira. Em um teatro de arena pequeno ou até na rua. Estou acostumado com esse teatro para multidões, onde tenho que fazer movimentos maiores para que todo mundo veja.

José Pimentel. Crédito: Acervo Pessoal

José Pimentel.
Crédito: Acervo Pessoal

– Qual sua opinião sobre a atual conjuntura política do país e como isso afeta diretamente no mundo artístico?

Sem dúvida, pode nos prejudicar. Infelizmente o teatro depende do governo. Este ano, por exemplo, só tivemos apoio da prefeitura e estamos brigando por uma verba do governo do estado. Então isso atrasa o espetáculo, querendo ou não. Tivemos que cortar dois dias de apresentação este ano por questões econômicas. Há iniciativas como a Lei Rouanet, por exemplo, mas não dá para a gente. Quando chegamos lá, já tem um monte de projeto do sul e sudeste com prioridade na nossa frente. Aí que a política poderia intervir, regionalizando isso. Se fosse algo mais descentralizado, outros projetos poderiam ser beneficiados. Mas não, se perdem nesse monte de idiotice que estão fazendo agora. Ainda tem ator e atriz que assumem posição política. Ator e atriz não têm que se meter nisso. Eu tenho minhas convicções políticas pessoais, mas não tenho que estar torcendo publicamente por ninguém. Mas eles não fazem essa diferença… Então acho que a política deveria nos ajudar com leis de incetivo à cultura, mas leis que funcionassem. A gente precisa disso. Não se vive só de bilheteria.

SERVIÇO
20ª Paixão de Cristo do Recife
25 a 27 de março, sempre às 19h
Praça do Marco Zero, no Bairro do Recife
Gratuito

Author: Beatriz Pires

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