“A nossa existência é de uma potência extrema”, ressalta a travesti recifense Naomi Leão, que brilha como modelo

“A nossa existência é de uma potência extrema”, ressalta a travesti recifense Naomi Leão, que brilha como modelo

Fotos: Diego Thompson – Styling: Xutra e Efraim Soares – Amazing Model

Aos 21 anos de idade, diretamente do bairro de Nova Descoberta, a jovem resolveu apostar em carreira fashion. Prestes a terminar o curso de Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco, Naomi Leão viu no mundo da moda uma chance para brilhar. Para ela, que hoje se identifica como travesti, a transição de gênero, que aconteceu em meados de 2019, teve papel fundamental em sua escolha profissional. “Eu gostava bastante de um reality show chamado “Rupauls Drag Race”, que é uma competição de drag queens, e tinha uma drag que era super fashionista e tinha um perfil bem model, a Naomi Smalls. Eu adorava a queen, era minha favorita na competição! E no dia a dia, em festas, nos lugares que ia sempre tinha quem me parasse para perguntar se era modelo ou comentar o quão parecida eu era com a Naomi Smalls. E a partir desses tensionamentos, fui me construindo modelo também, entendendo a minha beleza, o meu perfil…”, revelou ao Blog JA.

“Somos travestis e mulheres trans no país que mais mata nossa população”

Naomi Leão

Em bate-papo exclusivo, ela, que recentemente estrelou campanha para a marca Bonita, de Juliette Freire com a Avon, contou detalhes das dificuldades enfrentadas e das conquistas que vem colhendo, fruto de seu glorioso trabalho como modelo. “Não quero ser colocada nesse lugar intocável e ilusório da “representatividade”, quero que outras meninas olhem para mim e veja que é possível, vejam em mim possibilidade, e que comecem a se construir a partir de si mesmas, como fizeram em seus particulares processos de transição”, revela Naomi, que hoje integra o casting da Amazing Model, referência no ramo.

>> Bate-papo com Naomi Leão

  • Como decidiu iniciar a carreira de modelo?

Tudo começou pós transição de gênero, quando me reconheço e me reivindico Naomi, em meados de julho de 2019. Eu gostava bastante de um reality show chamado “Rupauls Drag Race”, que é uma competição de drag queens, e tinha uma drag que era super fashionista e tinha um perfil bem model, a Naomi Smalls. Eu adorava a queen, era minha favorita na competição! E no dia a dia, em festas, nos lugares que ia sempre tinha quem me parasse para perguntar se era modelo ou comentar o quão parecida eu era com a Naomi Smalls. E a partir desses tensionamentos, fui me construindo modelo também, entendendo a minha beleza, o meu perfil, compreendendo a indústria da moda, analisando como iria me inserir nesse contexto sendo uma travesti negra, compreendendo as dificuldades, as possíveis barreiras, mas sempre de cabeça erguida e cada vez mais segura e certa de que era isso que queria para o meu futuro.

  • Sentiu dificuldades no meio por ser uma travesti?

Muitas! O Brasil como um todo carrega uma grande dívida histórica com nós travestis e mulheres trans, somos o país que mais mata meninas como eu no mundo inteiro, as dificuldades são diárias. Já entrei nesse mercado sabendo que não seria fácil, e quanto mais espaço vou conquistando na moda, venho compreendendo que as dificuldades aumentam. Espero que em algum momento eu possa sentar e rir de algumas situações que já passei, da forma como lidei com alguns tensionamentos, de como lidei com questões particulares e iniciais de ser uma travesti nessa indústria e de algumas pressões que recaem sobre mim neste momento. Pressões essas que chegam num lugar muito particular traduzido em “representatividade”, como se me conferisse uma autoridade no meio T. Não quero que seja por aí, não quero ser colocada nesse lugar intocável e ilusório da “representatividade”, quero que outras meninas olhem para mim e veja que é possível, vejam em mim possibilidade, e que comecem a se construir a partir de si mesmas, como fizeram em seus particulares processos de transição. Quero que minha presença na moda questione a falta de outras meninas como eu, e que abra portas que ninguém imaginaria ser possível para nossa categoria identitária.

  • Recentemente você estrelou a campanha Bonita, marca da Juliette. Como foi participar?

Foi incrível! Uma experiência que sem dúvidas foi um divisor de águas na minha carreira, sobretudo a nível de crescimento profissional. E isso se deu graças a minha agência mãe, Amazing Model. Fotografamos com a própria Juliette, e ela é exatamente como é na TV, igualzinha! Sorrimos, acenamos e nos divertimos muito no set.

  • Qual seu maior sonho profissional?

Quero me tornar uma grande supermodel, agora estou correndo atrás de tornar isso real, dando o melhor de mim em cada trabalho que faço, seja ele grande ou pequeno.

  • Como é sua relação com seu estado de nascença. E como é poder representar Recife em campanhas tão grandiosas?

Eu adoro Recife, fui nascida e criada aqui! Enxergo muito potencial nessa cidade, temos pessoas altamente talentosas na moda, na arte, na música… em diversos seguimentos, esperando por mínimas possibilidades de melhoras para desenvolver seu trabalho. O Brasil precisa olhar mais para a potencialidade já expressa aqui em Recife! Não tinha parado para pensar que também estaria representando minha cidade numa campanha nacional, e isso é incrível!

  • Quem é sua maior referência no mundo da moda?

Eu mesma! Quando comecei, procurava por meninas como eu e, com dificuldade, encontrei algumas, mas não me via nelas. Eram sempre meninas trans ricas e sobretudo brancas. Então comecei a construir, a partir de mim mesma, a minha própria referência. Para além disso, adoro tudo o que envolve a cultura de supermodels e os anos 90 para a indústria da moda! Também me inspiro na Naomi Campbell, em como ela, uma mulher negra, num contexto ainda mais árduo a nível racial, se tornou a primeira modelo negra a ganhar real destaque na moda. Tento refletir e tirar as lições do seu legado trazendo para o meu contexto na moda.

  • Que conselho você deixa para outras travestis e mulheres trans que sonham em ser modelo?

Não vai ser fácil! Mas lidar com dificuldades é algo que todas nós estamos habituadas, e longe de mim querer romantizar isso! As dificuldades que te cercam quando você se declara uma pessoa trans/travesti chegam a ser enlouquecedoras. Mas se é o seu sonho, vai atrás! E mais uma vez, não vai ser fácil! As tensões nessa indústria vão começar a partir do momento que você questionar o “como” vai fazer para se tornar uma modelo, e nesse exato momento você se dá conta de que não vai ser a partir dos procedimentos padrões e técnicas utilizados pelas pessoas cisgêneras, e que você vai ter que construir suas oportunidades para se colocar na engrenagem “padrão” deste meio. Meu maior conselho é não desista! E olhe o que você já fez por si mesma, tem coisa mais linda que que olhar para si e se TRANSformar? Somos travestis e mulheres trans no país que mais mata nossa população, a nossa existência é de uma potência extrema! Não baixe a cabeça para ninguém, faça bons amigos nesse meio, e siga com seu propósito, fazendo o certo, e tentando encontrar felicidade e realização com a profissão.

Author: Marcela Nunes

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